De todas as características dela que alguém poderia se lembrar se perguntado, certamente a tremenda disciplina que ela tinha para fazer tudo em sua vida seria a mais citada.

No entanto, Mônica se perguntava onde estava toda a disciplina de que ela precisava quando ia cozinhar. Simplesmente não tinha a menor noção de como fazer isso, por mais que fosse neta de uma das melhores cozinheiras que já tinham conhecido.

Aliás, dona Alice fazia cada prato de dar água na boca de qualquer um. Sua mãe, Dalva, era outra que também se virava muito bem com as panelas, com os ingredientes, quaisquer que fossem eles. Das duas, só poderia se esperar mágica culinária. Mas seus respectivos talentos não tinham sido passados para ela.

“Tudo bem, o delivery existe pra essas pessoas que nem eu, posso sempre pedir comida”, ela sempre pensou. E sempre pediu comida fora mesmo; conhecia até alguns entregadores da região pelo nome, tamanha a frequência com que fazia isso.

Mas naquela noite era diferente. Nunca considerou que não saber cozinhar direito fosse questão de tamanha gravidade — questão de vida ou morte, até — na sua vida.

Culpa do Rodrigo. Quando ele começou a trabalhar no mesmo time que ela, 3 meses atrás, achou ele maravilhosamente lindo, mas sabia que nunca teria nenhuma chance com ele, até o dia, no começo deste mês, em que ele e ela começaram a conversar no elevador do edifício do escritório. Desde então as conversas e os horários de ambos estavam cada vez mais sincronizados.

E foi durante uma dessas conversas, segunda agora, que ele perguntou se ela gostaria de sair para jantar. Atônita, surpresa, quase gaguejando na verdade, Mônica aceitou o encontro, mas acabou dizendo que podiam se encontrar na casa dela mesmo, que ela faria o jantar pros dois.

O elevador se abriu naquela hora e ele simplesmente disse que estava combinado, então. Cada um foi para o seu lado e ela achou a coisa muito romântica. Jantarzinho pra dois. Que romântico.

Que romântico mesmo.

Pra quem sabia cozinhar.

E onde ela, totalmente o oposto de alguém assim, estava com a cabeça naquela hora, não é mesmo? Pensou em dizer pra irem jantar fora mesmo, em dar uma desculpa, mas desistiu. E a vergonha que passaria? Não senhor.

Agora estava na cozinha. O caderno de receitas de dona Alice, daqueles encapados com plástico quadriculado e com as folhas até meio amareladas, já, escrito todo com caneta esferográfica, estava aberto na página onde tinha uma receita de tortilla de batata.

Sendo alguém que adorava aquele prato de sua avó quando era criança, era natural para Mônica achar que repetir a receita por conta própria seria mais fácil. Memória afetiva pode ajudar, achava que tinha ouvido alguém dizer num desses reality shows culinários da TV.

Ovo, cebola, cebolinha, pimenta do reino, sal, azeite. Tudo já batido e misturado — e quase não tinha feito sujeira no chão e na bancada enquanto preparava tudo. Um progresso! Agora, com a frigideira já aquecida, despejou a mistura e deixou tudo em fogo alto.

Foi até a sala e pediu à Alexa que tocasse música romântica daquele cantor que ela sabia que Rodrigo e ela gostavam. Imaginou-se dançando com ele ali mesmo, os dois juntinhos.

A campainha tocou. Com certeza era ele. Ela abriu a porta, deu-lhe um beijo no rosto e pegou a garrafa de vinho que ele trouxe. Pediu que ele esperasse no sofá, que ela já ia servir tudo. Afinal, a mesa estava posta desde que horas? 16:00?

Queria muito que as coisas dessem certo com Rodrigo. Era tão gentil, bonito, inteligente. Mas sabia que tinha que ir com calma. Devagar. “Para chegar ao topo”, seu disciplinado eu interior lhe lembrou, “deve-se começar de baixo”.

Como o fogo em que se devia cozinhar a tortilla, segundo sua avó Alice tinha escrito em seu caderninho. Detalhe que só agora ela tinha se dado conta de ter confundido. A tortilla dela estava à mercê do fogo alto.

Mônica correu até a cozinha e fez com que Rodrigo, sobressaltado, se levantasse de onde estava e fosse atrás dela. Quando ele chegou à cozinha, se deparou com Mônica, que só faltava chorar sobre o leite derramado… ou sobre a tortilla queimada, mais exatamente.

Desconsolada, ela olhou para Rodrigo tentando esconder sem sucesso o quanto estava envergonhada. Ele primeiro só a olhou. Depois abriu um sorriso que ela acompanhou, e que um segundo depois se transformou em gargalhadas.

“Desculpa, na cozinha eu sou mais perdida que cego em tiroteio… como deu pra você perceber”.

Naquela noite, acabaram comendo pizza mesmo. Pedida via delivery. Entregue rapidinho, aliás, pelo Marcelo, um de seus conhecidos que trabalhavam com entrega. E foi o melhor encontro da vida de Mônica, e de Rodrigo.


Criei este texto como uma espécie de exercício de escrita a partir de 8 palavras aleatoriamente geradas via internet que eu destaquei em negrito para referência.

Nunca fiz isso, e nunca compartilhei publicamente. Mas gostei do exercício, pois provoca a mente e a criatividade. Devo tentar repetir a dose regularmente.v