Porquê eu quero aprender japonês
Prólogo
Quando eu era adolescente, tive a chance de fazer um teste vocacional, que eu sinceramente acredito que todos deveriam ter a chance de fazer, já que uma oportunidade dessas pode nos ajudar a ter uma noção sobre habilidades que temos, coisas das quais gostamos ou com as quais temos facilidade, e que podem nos ajudar no futuro.
Do resultado do tal teste vocacional confirmei algo do que eu já suspeitava: tenho facilidade em aprender idiomas! Naquela época eu estava igual ao Eduardo, nas aulinhas de inglês. E as aulinhas de inglês eram algo que eu adorava, não apenas porque gostava de aprender tudo que pudesse absorver (lembrem-se que não havia internet no início da década de 90, e os recursos eram limitados!), mas porque eu sinceramente achava fácil aprender. E aproveitando tal facilidade e as consequentes fluência e proficiência que ela me trouxe, depois de me formar acabei indo dar aula na mesma escola de inglês em que estudei.
Anos depois, trabalhando em uma grande empresa em que uma das filiais estava na França, fui aprender francês, estudando com alguns amigos. Nunca obtive a mesma fluência do inglês — talvez pela falta de tempo livre e pela correria —, mas consigo ler razoavelmente e até arriscar algumas frases em conversa. Mas o mais importante disso é dizer que só topei o desafio porque tenho essa facilidade com idiomas. Graças a isso, também, arranho muito de leve um pouco de espanhol, onde minha dificuldade eterna é pronunciar o erre de palavras como rojo.
Meus filhos e o inglês
Como eu disse, não existia internet na década de 90. Situação bem diferente daquela das décadas seguintes, a dos anos 2000, quando meu filho mais velho nasceu, e a dos anos 2010, quando o mais novo nasceu. O mais velho chegou a estudar inglês igual a mim, não em uma, mas em duas escolas de rede, de âmbito nacional, sendo a segunda a mesma onde me formei e dei aula.
Até que ele pediu pra parar de fazer inglês. Me disse que não sentia necessidade, que já aprendia bastante através da internet, YouTube, podcasts e mais uma série de outros inputs. Naquele momento eu me senti meio em choque, porque meu racional inicial era de que, se eu tinha aprendido inglês através de uma escola de idiomas formal, nada seria mais natural do que ele seguir o mesmo caminho, certo?
Errado. Totalmente errado. As escolas de idiomas continuam sendo relevantes, mas os tempos mudaram. Meus dois filhos já nasceram praticamente on-line, e de fato foram expostos desde muito cedo a uma infinidade de inputs, muito mais do que eu. De fato, pensando melhor a respeito, conclui que não apenas o meu filho mais velho, mas também o mais novo, aprenderam inglês muito bem sem a necessidade de ensino formal. Igual ao que eu fiz, aliás, quando fui aprender francês e espanhol, já que nunca me matriculei formalmente em escola nestes casos.
Foi assim que os meus dois filhos pararam de frequentar escola de inglês… e tudo bem com isso. Ambos hoje se comunicam muito bem no idioma, obrigado.
Meu filho mais velho e o idioma japonês
Um belo dia, alguns anos atrás, o meu filho mais velho começou a se interessar por cultura japonesa. Algo que muita gente nos últimos anos tem cultivado, aliás.
Basicamente, a cultura japonesa altera algumas palavras da minha infância: não é mais gibi, é mangá e não é mais desenho animado, é animê (pus esse acento aí só pra mostrar a pronúncia correta, ele não faz parte da grafia). Além disso, como em qualquer outra cultura que é compartilhada atualmente, há músicas, YouTubers, jogos de videogame e literatura juvenil — cujos livros não são mais romances de literatura juvenil também, e sim, light novels.
A questão é que ele evoluiu nessa cultura, e com o tempo, não bastou mais pra ele consumir conteúdo em português ou inglês. Ele queria o raw material, o acesso direto ao original. Para isso, então, foi estudar japonês. E me pergunte se ele pediu pra fazer curso formal do idioma?
Claro que não. Quando vi, ele já havia pesquisado tudo de que precisava: foi atrás de gramática japonesa, foi atrás de várias referências que encontrou na internet e, muitas e muitas horas de exposição ao japonês depois, quase três anos se passaram.
Eu tenho que dizer, neste ponto, que embora meu filho nunca tenha mencionado ter passado por nenhum teste vocacional na escola, tal como ocorreu comigo, arrisco dizer que, possivelmente, ele pode ter herdado o gosto por — e talvez até a facilidade com — idiomas de mim. Some-se a isso toda a dedicação e obstinação que ele empreendeu (e continua empreendendo) com o idioma e você tem o resultado que ele conseguiu, do qual me orgulho muito.
No final de 2021 meu filho começou a falar em estudar no Japão, em fazer faculdade por lá. Esta foi outra ocasião que me deixou em estado de choque. Para mim, estudar longe não era novidade — várias pessoas que conheço têm filhos que estudam em outros estados e regiões brasileiras, alguns têm filhos no exterior, mas em locais como Canadá ou Estados Unidos. Eu nunca imaginei mandar meu filho pro Japão.
E no entanto, ali estava ele, com essa meta.
Mais uma vez, isso me levou a refletir muito. Meu filho, em paralelo, descobriu um programa de bolsas de estudo oferecido pelo Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia do Japão (MEXT), e me disse que poderia e gostaria de tentar se candidatar a uma bolsa de estudos deles. Ele nunca deixou de se dedicar a isso, ele nunca parou de estudar.
Em 2022, depois de concluir o ensino médio, ele pediu para tirar um ano sabático. Ok, ele não me disse isso exatamente dessa forma, mas o que pediu foi para se dedicar por um ano a prestar a prova do MEXT, e a prestar um exame de fluência em japonês, o JLPT, oferecido pela Fundação Japão, para o qual o paralelo mais próximo que consigo traçar é a similaridade com o TOEFL.
Se ele não conseguisse o que almejava até o final de 2023, como plano B, entraria numa faculdade aqui no Brasil mesmo, para não prejudicar seu ensino superior enquanto estivesse se preparando para tentar de novo. Até conseguir.
Eu sempre acreditei que as coisas dão certo pra quem acredita nelas. E as coisas estão indo bem — nos últimos tempos, tenho falado bastante a respeito nas minhas weeknotes. Tudo, graças a Deus, parece muito promissor. O que, finalmente, me leva à resposta, ao porquê de eu querer aprender japonês.
Os meus motivos
A essa altura do campeonato fica até fácil de entender a minha motivação para aprender japonês. Com meu filho na iminência de viajar para o exterior, e talvez, após concluir seus estudos, fixar residência definitiva por lá, eu imagino diversas possibilidades — embora, como diga o ditado, “o futuro a Deus pertence“.
Penso que pode haver uma ponte se formando entre a nossa família e o país nipônico. Quando esta ponte estiver efetivamente formada, haverá chance deste que vos escreve de visitar o Japão. E aí está meu motivo mais primordial: poder interagir com o povo japonês sem necessariamente depender de ninguém (ainda que, obviamente, eu planeje pedir uma ajudinha ao meu filho).
Essa história toda me fez refletir: no começo eu tinha receio de meu filho estudar longe (digo, tão longe assim). Mas a gente cria os filhos para o mundo e, como percebi com o passar do tempo, a educação dos meus pais foi diferente da educação que eles me deram, e a educação que eu dei — e ainda estou dando — aos meus filhos é diferente daquela que eu e minha esposa recebemos. Então me sinto, agora, mais recentemente, na obrigação de regar os sonhos do meu filho, pra que eles possam florescer.
Se isso significa em um futuro breve construir mesmo uma ponte entre nossa família e a terra do sol nascente, nada mais apropriado que colocar em prática a minha boa e velha facilidade com o aprendizado de idiomas, não é mesmo?
E aprender japonês será um grande desafio pra mim.
Primeiro, porque não tenho todo o tempo que meu filho pôde dedicar — e continua dedicando — ao aprendizado do japonês. Não posso me dar ao luxo de tirar um ano sabático, e minhas horas livres são mais escassas. Então vou ter que achar espaço pro meu aprendizado pessoal começar a acontecer.
Segundo porque, como você já deve imaginar, aprender japonês parece — e efetivamente deve — ser mais trabalhoso do que aprender um idioma como inglês, francês ou espanhol: por exemplo, há três alfabetos distintos, hiragana, katakana e kanji. Há toda uma sequência gramatical e uma estrutura do idioma que são diferentes daquilo com que estou acostumado.
Comecei uma jornada na qual, conforme eu disse ao meu filho, quero antes de qualquer coisa, aprender a ler em japonês. Esse é o meu objetivo principal, o meu foco, a minha meta. O que virá depois disso? Não sei e não estou preocupado com isso, pois tudo dependerá da ponte entre nós e o Japão. Mas uma coisa eu sei: já estou e pretendo continuar me divertindo no processo.
Ao filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, em seu Tratado Lógico-Filosófico, é atribuída a frase “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo“. Embora existam várias interpretações possíveis para o que ele disse, gosto de pensar que quanto mais idiomas eu aprendo, mais minha linguagem e maneira de me expressar se fortalecem, o que amplia os limites do meu mundo e da minha cultura.
Assim quero que seja, portanto, comigo e com o idioma japonês: que, ao aprendê-lo, aos poucos e com cuidado, ele permita que eu amplie meus horizontes. Tenho certeza de que isso será muito útil na hora em que eu estiver cruzando a ponte — na primeira vez, ou nas vezes subsequentes.