Enquanto fazia minha releitura de 1984 hoje pela manhã, me deparei com o seguinte trecho:

Debaixo da janela, alguém cantava. Winston olhou para fora, protegido pela cortina de musselina. O sol de junho ainda brilhava alto no céu, e no pátio ensolarado abaixo, uma mulher monstruosa, sólida como um pilar normando, com braços vermelhos e musculosos, e um avental de juta amarrado no meio do seu corpo, cambaleava para um lado e para o outro, entre um tanque e um varal, pendurando uma série de coisas brancas que Winston reconheceu como fraldas de bebês. Quando sua boca não estava tampada com prendedores, ela cantava num contralto poderoso:

Era apenas um desejo fantasioso
Passou como um dia de abril
Mas um olhar e uma palavra e os sonhos despertaram
Eles roubaram meu coração!

A canção assombrava Londres havia semanas. Era uma das inúmeras músicas similares lançadas para o bem dos proletas por um subsetor do Departamento de Música. As letras dessas canções eram compostas sem qualquer intervenção humana num instrumento conhecido como versificador. Mas a mulher cantou de um jeito tão afinado que transformava aquela porcaria tenebrosa num som quase prazeroso.

— George Orwell, 1984

Foi virtualmente impossível para mim não pensar que George Orwell, sempre à frente do seu tempo, ao criar em sua ficção o versificador — um dispositivo capaz de produzir conteúdo criativo sem que nenhum membro do partido tivesse que se envolver diretamente, incluindo-se filmes, romances de baixa qualidade, letras de música e até conteúdo esportivo, policial e sobre astrologia a ser publicado em jornais —, acabou gerando uma clara alusão aos LLMs modernos.