Às vezes um charuto é só um charuto mesmo

    Um amigo mencionou a frase que escolhi para dar título a este post, esta semana, durante uma boa conversa que estávamos tendo. Ao citar a frase, ele me disse se tratar do charuto de Freud.

    Sigmund Freud, neurologista e psiquiatra austríaco, é considerado o pai da psicanálise e, enquanto vivo, adorava fumar charutos — continuando com o hábito mesmo depois de diagnosticado, em 1923, com câncer na boca. Ele dizia que os charutos lhe serviram, por 50 anos, “como proteção e arma para os combates da vida”.1

    É mais do que claro, portanto, que Freud adorava fumar seus charutos. “Algumas vezes um charuto é apenas um charuto”, no entanto, apesar de ser uma das frases mais atribuídas a ele, é uma atribuição equivocada, dado que não existe nenhum registro ou evidência formal de que ele alguma vez tenha dito ou escrito tal coisa.1

    Só que, ainda que a frase não seja de Freud, eu considero seu significado muito interessante, pois nos faz pensar que nem tudo na vida tem que ter um significado oculto, ou mais profundo, do que aquele que está na superfície, e que as pessoas, portanto, não deveriam se preocupar em procurar por tal significado.2

    Eu nunca escondi de ninguém o quanto eu sou uma pessoa ansiosa, e o quanto ansiedade pode ser algo que faz mal. Por isso, independentemente de quem disse a frase originalmente, está aqui uma lição valiosa: nem tudo aquilo que ouço tem uma segunda camada de significado, nem tudo que é dito é para ser complexo. As coisas podem ser bem mais simples e diretas e, na maioria das vezes, certamente são, o que quer dizer que é preciso receber as mensagens de uma forma mais simples e tranquila, e simplesmente viver a vida.



    1. Freud and his Cigars - Freud Museum London, acessado em 06 de janeiro de 2024. ↩︎

    2. Sigmund Freud famously said that sometimes a cigar is just a cigar. What did he mean by this statement (…), postagem do Quora, acessada em 06 de janeiro de 2024. ↩︎

    Digital wellness nos apps do Mastodon

    Conforme a popularidade do Mastodon cresce nas últimas semanas e meses, o número de desenvolvedores interessados na rede também aumenta e, com eles, o número de aplicativos para interagir e navegar.

    Além da aplicação default do time do Mastodon, para o iOS, sistema do meu celular, temos Metatext, Toot!, IceCubes, Mammoth e o meu favorito, Ivory. E estes são apenas alguns dos aplicativos candidatos se você quiser surfar pela rede, a ampla maioria deles ainda em seus estágios alpha e beta.

    Mas dentre estas inúmeras opções de apps, foi o Tusker que me deixou intrigado recentemente, devido a um detalhe presente em suas definições: trata-se de um conjunto de configurações dedicadas ao conceito de digital wellness.

    Na minha visão, o conceito de digital wellness remete ao direito que todo ser humano que utiliza dispositivos tecnológicos como smartphones, laptops e tablets possui de, mesmo convivendo conectado a tais aparelhos, não ver sua saúde mental e bem-estar físico prejudicados.

    Não entendo o suficiente do assunto para garantir que qualquer configuração ou recurso que os aplicativos nos ofereçam com a finalidade de regular o uso da tecnologia para não comprometer nossa saúde e bem estar se encaixe no conceito de digital wellness. Porém, considerando que já estive muito mais à mercê de redes sociais no passado e que passei por inúmeros momentos de ansiedade e de aflição porque ficava sofrendo por não saber de antemão se iam ou não gostar do que escrevi, se receberia likes, se iam se inscrever no meu canal do YouTube ou seguir meu perfil, qualquer opção que possa ser ativada para reduzir estes sintomas me parece um sério candidato para contribuir com nosso bem-estar digital.

    Voltando ao Tusker, que também está em fase de testes, as opções de digital wellness atuais incluem a capacidade de exibir ou ocultar o número de vezes que sua postagem foi marcada como favorita ou impulsionada por outros usuários, a capacidade de escolher quais notificações receber, a possibilidade de exibir as imagens em escala de cinza, de habilitar ou não a rolagem infinita e de ocultar seções como o diretório de perfis de usuários e de tendências.

    Dentre estas opções, as que mais gosto são a possibilidade de desativar a contagem do número de vezes em que algo que publiquei foi favoritado ou impulsionado e a possibilidade de escolher as notificações que desejo receber. Um fator que não está presente nas configurações de digital wellbeing mas que acompanha o Tusker por default é que, ao contrário do Ivory e, por que não dizer, do próprio Twitter, ao atualizar a sua timeline, o número de novas postagens não lidas não aparece. Fantástico.

    Aliás, antes de terminar, preciso dizer. Se você quiser testar o Tusker, pode fazer isso via Testflight.

    Enfim, intrigado e positivamente surpreso pelas opções específicas de digital wellness que encontrei no Tusker, só posso esperar que ainda mais recursos sejam adicionados pelo desenvolvedor em breve, e que os desenvolvedores dos outros apps também acrescentem recursos do gênero em seus próprios softwares. Afinal de contas, digital wellness é para o nosso próprio bem.

    O seu Gilberto e a descarga de oxitocina

    Desde ontem de tarde estava sentindo uma dor nas costas muito ruim — daquelas capazes de fazer a gente se curvar enquanto anda, difícil mesmo de suportar. Como depois de tomar remédios ela não passava por nada, hoje cedo avisei ao chefe e fui para um hospital e pronto-socorro ortopédico que temos aqui na cidade.

    O lugar existe há anos, e é muito bom (não estou fazendo propaganda dele nem nada, e por isso mesmo vou omitir o nome). Mas o fato é que isso faz com que o estacionamento de lá, com apenas 5 vagas, e também todo o entorno, estejam sempre lotados, transformando o simples ato de estacionar o carro num belo exercício de paciência.

    Depois de vários minutos, encontrei uma vaga no sistema de zona azul da cidade. Como sempre faço, saquei o celular, entrei no aplicativo, ativei o meu tíquete e fui-me embora para passar pelo pronto atendimento. Um diagnóstico — problema com o bendito nervo ciático —, duas injeções de relaxante muscular e uma receita com medicamentos complementares para tomar em casa depois, volto para onde estacionei o carro, desativo o alarme e estou me acomodando pra fechar a porta quando noto um senhor do lado do parquímetro da zona azul — um totem que é a versão analógica do aplicativo que eu sempre uso —, meio atrapalhado com o parquímetro e com o celular.

    Estou prestes a ligar o carro e sair da minha vaga quando ele olha pra mim e pergunta se eu sei usar a zona azul. O aplicativo. Eu respondo que sim e ele me diz que o parquímetro está quebrado, e que já está ali há uns bons 15 minutos tentando baixar o app pelo QR Code que está impresso no totem, e nada. E ele precisa ir resolver um assunto ali por perto e já está atrasado.

    Pasmem! O bendito do totem da zona azul, vejam só, não tem instruções detalhadas e embora para mim e para você possa ser trivial e banal apontar a câmera do celular para abrir o link de download, para ele não era. Ainda com a minha dor no ciático — o enfermeiro que me aplicou as injeções me prometeu que em 40 minutos no máximo os efeitos milagrosos muito esperados delas começariam —, saí do carro e fui ajudar o senhor.

    Expliquei que ele devia abrir a câmera do celular dele, apontar para o QR code e que, quando surgisse um endereço na tela — o link — era pra ele tocar ali e isso abriria o Google Play (ele estava com um aparelho Android). Depois que o aplicativo abriu na loja, expliquei como instalar. Tudo correu bem e depois de alguns segundos o app da zona azul aqui da cidade estava aberto.

    “Agora é só o senhor se cadastrar no aplicativo. Depois cadastrar o seu carro e o cartão do banco do senhor. Daí vai poder ativar o tíquete de estacionamento”.

    Ele me fez aquele verdadeiro olhar de “como faço isso”. E eu, é claro, expliquei pra ele. Toca aqui, toca ali, digita isso, digita aquilo, até que ele me pede pra pegar o celular dele e ajudar. E foi o que eu fiz. Nome, e-mail e mais algumas informações depois, cadastro pronto. Na hora de criar uma senha e informar o cartão, validade, código de segurança, devolvi o aparelho pra ele, mas expliquei que número ia onde. E aos pouquinhos, passo a passo, ele finalmente conseguiu inserir o cartão e comprar créditos pra estacionar.

    Ativou o tíquete da zona azul, bem a tempo, pois o carro da fiscalização estava passando por ali.

    “Como é o seu nome?”, ele me perguntou.

    “É Daniel”.

    “O meu é Gilberto, Daniel. Muito obrigado pelo tempo e pela paciência de me ensinar. Deus te abençoe, viu?”, foi o que eu escutei.

    E ainda recebi uma ajuda dele, que parou os carros na estreita avenida onde a gente estava, pra que eu, já de volta ao meu carro, pudesse sair da minha vaga e ir pra casa, com as injeções já começando a dar um certo alívio ao meu pobre nervo ciático.

    Mas eu acho que não foram só as injeções que aliviaram a minha dor.

    É que isso que me aconteceu hoje me lembrou de um resumo do livro Líderes se servem por último, do Simon Sinek, que eu li recentemente. No livro ele explica que existem quatro hormônios que controlam nossas emoções e comportamentos:

    Dopamina: hormônio que nos ajudar a realizar coisas; Endorfina: hormônio que mascara a dor; Serotonina: hormônio da liderança; e Oxitocina: hormônio do amor. A serotonina e a oxitocina são os chamados hormônios altruístas, que afetam nossas vidas sociais e nos ajudam nos relacionamentos interpessoais, contribuindo para que se crie mais empatia entre as pessoas. Mas eles somente são ativados se você decide interagir com as pessoas.

    A oxitocina, na qual vou me concentrar, aliás, é o mesmo hormônio que é liberado pelas mulheres durante o nascimento de um filho, e que é capaz de fazer a mulher amar seu bebê mesmo em meio as dores do parto.

    Quando ela é liberada nas pessoas comuns, no dia-a-dia, a oxitocina proporciona sentimentos de felicidade, amabilidade e agradecimento. O hormônio é capaz de melhorar o nosso humor, diminuir nossa ansiedade, aumentar nosso bem estar e também melhorar a depressão.

    E o que é melhor: a oxitocina é super fácil de ser liberada no nosso organismo. Basta doar um pouquinho do nosso tempo e energia, praticando um ato de altruísmo desinteressado ao próximo, como por exemplo, ajudar a pessoa em necessidade que te pergunta, quando você entra na farmácia, se pode comprar uma lata de leite em pó pra que ela consiga alimentar a filha (o que também já me aconteceu), ou ajudar alguém que não tem muita intimidade com tecnologia, como o seu Gilberto, a baixar o aplicativo da zona azul, ensinando ele a usar depois — e você faz essas coisas, sem esperar nada em troca.

    Ou seja, essa ajuda ao seu Gilberto me fez experimentar uma descarga de oxitocina. Foi uma sensação muito boa, que me deixou realmente comovido e me sentindo feliz comigo mesmo e com a vida.

    Moral da história? Quando um seu Gilberto precisar de ajuda com um aplicativo porque o parquímetro quebrou, ou uma dona Marta precisar de ajuda para carregar as compras, doe uns minutinhos seus e ajude. Garanto que o resultado é melhor do que qualquer remédio da farmácia e, caso você esteja num dia particularmente triste, sentindo dor ou meio deprimido, isso será quase que literalmente um santo remédio.

    O segredo de um A3

    O segredo de um A3 é que a história nele descrita deve ser curta — e não um romance completo como “Guerra e Paz”, do grande romancista russo Leon Tolstoi.

    Escrever uma história curta leva tempo: mas são exatamente as iterações que ajudam a refinar um A3 até sua essência, tornando-o fácil de comunicar.

    Há uma famosa citação de Blaise Pascal, aliás, que resume o conceito por detrás de um A3:

    “Eu teria escrito uma carta mais curta, mas não tive tempo”

    Invista o tempo necessário para refinar a história: use diagramas simples, tópicos e imagens — uma imagem vale mais do que mil palavras.

    Finalmente, não caia na armadilha de tentar espremer tanta informação quanto possível em um A3 usando fonte de tamanho 6: torne-o fácil de ler. Menos é mais! Leva-se tempo para coletar nossos pensamentos e contar uma história: a filosofia Lean trata de reduzir desperdícios e o A3 é uma peça chave para ajudar a eliminar desperdício nos processos de gestão.


    Traduzido e adaptado por mim em 17/12/2019, a partir do livro “Toyota by Toyota”, de Darril Wilburn e Samuel Obara, capítulo 12 — “Hoshin Kanri”, página 203.