O seu Gilberto e a descarga de oxitocina
Desde ontem de tarde estava sentindo uma dor nas costas muito ruim — daquelas capazes de fazer a gente se curvar enquanto anda, difícil mesmo de suportar. Como depois de tomar remédios ela não passava por nada, hoje cedo avisei ao chefe e fui para um hospital e pronto-socorro ortopédico que temos aqui na cidade.
O lugar existe há anos, e é muito bom (não estou fazendo propaganda dele nem nada, e por isso mesmo vou omitir o nome). Mas o fato é que isso faz com que o estacionamento de lá, com apenas 5 vagas, e também todo o entorno, estejam sempre lotados, transformando o simples ato de estacionar o carro num belo exercício de paciência.
Depois de vários minutos, encontrei uma vaga no sistema de zona azul da cidade. Como sempre faço, saquei o celular, entrei no aplicativo, ativei o meu tíquete e fui-me embora para passar pelo pronto atendimento. Um diagnóstico — problema com o bendito nervo ciático —, duas injeções de relaxante muscular e uma receita com medicamentos complementares para tomar em casa depois, volto para onde estacionei o carro, desativo o alarme e estou me acomodando pra fechar a porta quando noto um senhor do lado do parquímetro da zona azul — um totem que é a versão analógica do aplicativo que eu sempre uso —, meio atrapalhado com o parquímetro e com o celular.
Estou prestes a ligar o carro e sair da minha vaga quando ele olha pra mim e pergunta se eu sei usar a zona azul. O aplicativo. Eu respondo que sim e ele me diz que o parquímetro está quebrado, e que já está ali há uns bons 15 minutos tentando baixar o app pelo QR Code que está impresso no totem, e nada. E ele precisa ir resolver um assunto ali por perto e já está atrasado.
Pasmem! O bendito do totem da zona azul, vejam só, não tem instruções detalhadas e embora para mim e para você possa ser trivial e banal apontar a câmera do celular para abrir o link de download, para ele não era. Ainda com a minha dor no ciático — o enfermeiro que me aplicou as injeções me prometeu que em 40 minutos no máximo os efeitos milagrosos muito esperados delas começariam —, saí do carro e fui ajudar o senhor.
Expliquei que ele devia abrir a câmera do celular dele, apontar para o QR code e que, quando surgisse um endereço na tela — o link — era pra ele tocar ali e isso abriria o Google Play (ele estava com um aparelho Android). Depois que o aplicativo abriu na loja, expliquei como instalar. Tudo correu bem e depois de alguns segundos o app da zona azul aqui da cidade estava aberto.
“Agora é só o senhor se cadastrar no aplicativo. Depois cadastrar o seu carro e o cartão do banco do senhor. Daí vai poder ativar o tíquete de estacionamento”.
Ele me fez aquele verdadeiro olhar de “como faço isso”. E eu, é claro, expliquei pra ele. Toca aqui, toca ali, digita isso, digita aquilo, até que ele me pede pra pegar o celular dele e ajudar. E foi o que eu fiz. Nome, e-mail e mais algumas informações depois, cadastro pronto. Na hora de criar uma senha e informar o cartão, validade, código de segurança, devolvi o aparelho pra ele, mas expliquei que número ia onde. E aos pouquinhos, passo a passo, ele finalmente conseguiu inserir o cartão e comprar créditos pra estacionar.
Ativou o tíquete da zona azul, bem a tempo, pois o carro da fiscalização estava passando por ali.
“Como é o seu nome?”, ele me perguntou.
“É Daniel”.
“O meu é Gilberto, Daniel. Muito obrigado pelo tempo e pela paciência de me ensinar. Deus te abençoe, viu?”, foi o que eu escutei.
E ainda recebi uma ajuda dele, que parou os carros na estreita avenida onde a gente estava, pra que eu, já de volta ao meu carro, pudesse sair da minha vaga e ir pra casa, com as injeções já começando a dar um certo alívio ao meu pobre nervo ciático.
Mas eu acho que não foram só as injeções que aliviaram a minha dor.
É que isso que me aconteceu hoje me lembrou de um resumo do livro Líderes se servem por último, do Simon Sinek, que eu li recentemente. No livro ele explica que existem quatro hormônios que controlam nossas emoções e comportamentos:
Dopamina: hormônio que nos ajudar a realizar coisas; Endorfina: hormônio que mascara a dor; Serotonina: hormônio da liderança; e Oxitocina: hormônio do amor. A serotonina e a oxitocina são os chamados hormônios altruístas, que afetam nossas vidas sociais e nos ajudam nos relacionamentos interpessoais, contribuindo para que se crie mais empatia entre as pessoas. Mas eles somente são ativados se você decide interagir com as pessoas.
A oxitocina, na qual vou me concentrar, aliás, é o mesmo hormônio que é liberado pelas mulheres durante o nascimento de um filho, e que é capaz de fazer a mulher amar seu bebê mesmo em meio as dores do parto.
Quando ela é liberada nas pessoas comuns, no dia-a-dia, a oxitocina proporciona sentimentos de felicidade, amabilidade e agradecimento. O hormônio é capaz de melhorar o nosso humor, diminuir nossa ansiedade, aumentar nosso bem estar e também melhorar a depressão.
E o que é melhor: a oxitocina é super fácil de ser liberada no nosso organismo. Basta doar um pouquinho do nosso tempo e energia, praticando um ato de altruísmo desinteressado ao próximo, como por exemplo, ajudar a pessoa em necessidade que te pergunta, quando você entra na farmácia, se pode comprar uma lata de leite em pó pra que ela consiga alimentar a filha (o que também já me aconteceu), ou ajudar alguém que não tem muita intimidade com tecnologia, como o seu Gilberto, a baixar o aplicativo da zona azul, ensinando ele a usar depois — e você faz essas coisas, sem esperar nada em troca.
Ou seja, essa ajuda ao seu Gilberto me fez experimentar uma descarga de oxitocina. Foi uma sensação muito boa, que me deixou realmente comovido e me sentindo feliz comigo mesmo e com a vida.
Moral da história? Quando um seu Gilberto precisar de ajuda com um aplicativo porque o parquímetro quebrou, ou uma dona Marta precisar de ajuda para carregar as compras, doe uns minutinhos seus e ajude. Garanto que o resultado é melhor do que qualquer remédio da farmácia e, caso você esteja num dia particularmente triste, sentindo dor ou meio deprimido, isso será quase que literalmente um santo remédio.