Eu adoro colecionar citações. Prova disso é a coleção delas que, aos poucos, vou alimentando neste humilde site à medida que as encontro e gosto delas o suficiente para registro.

Mas devo admitir que, sempre que encontro uma citação interessante, tento investigar ao máximo se foi de fato o autor a quem atribuem a frase aquele que de fato disse a frase. Ele pode ter feito isso em um discurso, em um livro, em um ensaio, peça de teatro, enfim. E se não encontro nada que relacione autor e citação, fico muito incomodado.

Uma das minhas citações favoritas, que aliás, encabeça meu perfil do Mastodon, por exemplo, é “I’m not young enough to know everything”, frase que, depois de pesquisar um pouco, consegui verificar que foi escrita por J.M. Barrie, autor inglês responsável pela criação do personagem Peter Pan.

Outra citação da qual eu gosto muito é “Daria tudo que sei pela metade do que ignoro”, que, embora seja amplamente atribuída ao filósofo francês René Descartes, nunca foi dita por ele, ao menos literalmente, com essas exatas palavras.

Até onde eu fui capaz de descobrir, a citação, da forma como se tornou popular, pode ser um resumo das ideias da filosofia de Descartes, que sempre enfatizou as limitações do conhecimento humano, cheio de limitações e de falhas, e a importância de questionar e reavaliar constantemente nossas crenças. Descartes, assim como eu — que ouso me comparar a ele —, acreditava que sempre há mais para se aprender, sobre o mundo e sobre nós.

Haverão aqueles que dirão que não há nada de errado com uma citação que resuma as palavras de alguém, mas me incomodam o fato de colocar o nome do autor abaixo de um resumo de suas ideias, já que a pessoa não disse aquilo literalmente, e o fato de tantas bases de dados de citações on-line, facilmente consultáveis, atribuírem frases às pessoas sem se darem ao mínimo trabalho de citar referências que comprovem a autoria.

Vivemos numa era onde isso é típico. As pessoas mal verificam as fontes das notícias que lêem (algumas lêem apenas as manchetes, aliás), então têm menos motivos ainda para verificar a exatidão das frases que foram supostamente ditas por alguém. É o cenário perfeito para o fenômeno batizado pelo autor Corey Robin em um artigo escrito por ele em 2013 de WAS, ou Wrongly Attributed Statement, algo como Declaração Falsamente Atribuída.

O problema que eu tenho com a tal declaração falsamente atribuída é que acabo sendo vítima dela muitas vezes: seja quando vou escrever um texto que vai parar aqui no site ou quando quero citar algo pra um amigo ou alguém da família porque na minha cabeça aquela determinada frase serve como uma luva naquele instante, bate a dúvida: quem foi mesmo que disse isso? Para quem, como eu, se importa com esses detalhes, uma declaração facilmente atribuída pode ser um verdadeiro campo de batalha.

Existem citações, como esta do meu exemplo acima, que surgem como adaptações ou composições das declarações de alguém famoso, neste caso os ensaios de Descartes sobre filosofia.

Existem também as frases que, ditas por alguém que geralmente não é famoso, ou mesmo completamente inventadas, acabam sendo atribuídas a pessoas famosas. Nesta categoria estão as inúmeras frases que circulam na internet brasileira como tendo sido de autoria de Luís Fernando Veríssimo, quem aliás, em 2018, brincou com o fato, dizendo em entrevista que já foi muito elogiado por aquilo que nunca escreveu:

Os dois [Veríssimo e Clarice Lispector] costumam ter frases, análises, pensamentos e avaliações compartilhados a torto e a direito pela rede. Grande parte delas, contudo, não foram, de fato, escritas pelos autores. “Não há o que fazer, que eu saiba, contra esse tipo de coisa. Já fui muito elogiado pelo que nunca escrevi, não estou me queixando. Chato vai ser quando um falso texto meu difamar alguém.”

Não faz muito tempo que uma citação que me cheirou a declaração falsamente atribuída cruzou meu caminho. Há cerca de duas semanas me deparei com a frase “It is likely I will die next to a pile of things I was meaning to read”, que me chamou a atenção porque ela está estampada em uma camiseta minha. Eu acreditava até então que a frase, muito aplicável a mim e à minha paixão por leitura, era uma criação anônima.

Quando me deparei com a frase, notei que ela tinha sido atribuída a Daniel Handler, autor americano que, assinando como Lemony Snicket, criou a série de livros “A Series of Unfortunate Events”. E por gostar muito da frase, fui investigar se ela de fato foi dita pelo autor.

Assim como no caso da frase de Descartes, a internet está cheia de referências a Lemony Snicket, mas em nenhum lugar é possível encontrar um trecho de livro em que o autor tenha escrito a frase como fala de um de seus personagens.

Cheguei a encontrar pessoas citando que o autor teria dito a frase em uma entrevista que concedeu ao USA Today em 2003. Mas na única que eu encontrei, ele não chega nem perto de dizer algo parecido. Ou seja, claramente um caso de declaração falsamente atribuída, já que será impossível precisar ao certo, pelo menos levando em conta o meu conhecimento, se a frase é mesmo de autoria dele ou não.

A questão é que estou fadado a sempre me perguntar “quem foi mesmo que disse isso?” sempre que encontrar uma citação. Será que sou o único a pensar nisso?