Querida mamãe
Esta semana terminei de ler "Make it Stick", de Peter C. Brown, que aqui no Brasil, graças às fabulosas traduções que são pensadas pelas editoras, ficou com o título de "Fixe o conhecimento". Falando sobre técnicas e a ciência da aprendizagem, o livro me interessou porque, como o tema lifelong learning me atrai bastante, imaginei que haveriam bons insights que eu poderia obter com a leitura.
Como em vários livros de não-ficção, o autor vai intercalando os conceitos que apresenta com histórias e relatos diversos que comprovam ou demonstram suas explicações. E uma dessas histórias, sobre o escritor americano John McPhee — considerado um dos pioneiros da não-ficção criativa —, me chamou a atenção.
Falando sobre bloqueio criativo em um artigo seu para a revista New Yorker de 2013, John McPhee disse que "escrever, como qualquer forma de arte, é um processo iterativo de criação e descoberta". Disse também que muita gente que aspira a escrever não consegue se expressar por não ter a "certeza do que querem dizer, não conseguem mergulhar no assunto".
Na revista, ele supõe estar escrevendo sobre um urso pardo. Só que depois de olhar para a tela por seis, sete, dez horas, nada lhe ocorre, nenhuma palavra aparece. É quando aparecem o bloqueio, a frustração e o desespero. Mas McPhee tem uma solução.
Quando ele enfrenta a falta de inspiração ou a falta de criatividade impede que ele continue criando, ele simplesmente escreve uma carta pra mãe dele.
Escreva, ‘Querida mamãe…’. E então conte pra sua mãe sobre o bloqueio, a frustração, a inépcia, o desespero. Você insiste que não foi feito pra esse tipo de trabalho. Você choraminga. Você faz birra. Você descreve por alto o seu problema, e menciona que o tal urso tem uma cintura de um metro e quarenta e um pescoço de uns 76 centímetros, mas que poderia correr nariz-com-nariz com o Secretariat. Você diz que o urso prefere se deitar e descansar. Que o urso descansa catorze horas por dia. E você continua assim por quanto tempo você conseguir. Daí você volta e deleta o ‘Querida mamãe…’ e toda a choradeira e birra, e fica só com o urso.”
Tradução livre que fiz do artigo Draft No. 4, de John McPhee, na New Yorker em 2013.
Achei genial isso de escrever uma carta para minha mãe. Porque em parte eu imagino que isso elimine de fato certas barreiras criativas e certas pressões que existem no ato de escrever. Barreiras que eu, que nem escrevo direito mas que gostaria de escrever mais, fico colocando e criando para mim mesmo. Barreiras que escrevendo uma carta para a minha mãe, eu posso transpor.
E para quem fizer isso, McPhee sugere que há luz no final do túnel. Segundo ele, o mais difícil mesmo é terminar o primeiro rascunho. O primeiro rascunho é sempre mais demorado e se desenvolve de forma desajeitada, porque cada frase que se escreve afeta todas as demais, não importa se vieram antes ou se virão depois. Ele cita que a primeira versão de um texto seu sobre geologia da California levou cerca de dois anos para ficar pronto. Mas que a segunda, terceira e quarta versões, juntas, levaram seis meses. E que essa proporção de escrita de 1 para 4 é consistente no caso dele, mesmo que ele perca apenas alguns dias no primeiro rascunho. Isso se deve ao fato de que, ainda segundo ele, há diferenças de fase para fase e que depois da primeira fase vencida, é quase como se uma pessoa completamente diferente assumisse o trabalho. O medo de continuar a escrever desaparece e os problemas, quaisquer que sejam, tendem a se tornar menos ameaçadores e mais interessantes. A experiência ajuda mais, como se nosso lado amador fosse substituído por um profissional tarimbado. Será mesmo?
Para saber, acho que só mesmo seguindo o conselho dele e enfrentando meus próprios ursos.